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Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de recuperação judicial por parte de cooperativas médicas

Mathias Pimentel Cazarotto
 
Em recentes julgados de relatoria do Ministro Marco Buzzi[1], o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de cooperativas médicas operadoras de planos de assistência à saúde ajuizarem ações de recuperação judicial, sendo então reformada decisão antes proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que havia entendido pela impossibilidade de pedido de recuperação judicial por cooperativa médica.
 
A regra geral é de que cooperativas não podem se socorrer por meio da recuperação judicial, pois conforme o art. 1º da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências – LREF)[2], a recuperação judicial se destina ao empresário e sociedade empresária, ao passo que cooperativas são sociedades simples (segundo previsão do art. 982, parágrafo único, do Código Civil[3]), sendo ainda expressamente inaplicável o regime de recuperação judicial às cooperativas de crédito, conforme o art. 2º, II, da LREF[4].
 
E nesse sentido, às cooperativas é previsto procedimento de liquidação próprio, conforme preveem os arts. 63 a 78 da Lei nº 5.764/1971 — Lei da Política Nacional do Cooperativismo —, e especificamente às cooperativas de crédito, uma vez que equiparadas a instituição financeira, é previsto procedimento de intervenção ou liquidação extrajudicial pelo Banco Central, na forma da Lei nº 6.024/1974.
 
Ainda, no que se refere a planos de saúde em geral, é previsto que tais entidades “[...] não podem requerer concordata e não estão sujeitas a falência ou insolvência civil, mas tão-somente ao regime de liquidação extrajudicial.”, conforme previsão do art. 23 da Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde).
 
Contudo, no caso em questão, que se refere especificamente à cooperativa médica, o entendimento do Ministro Marco Buzzi foi fundamentado em alteração trazida à Lei Falimentar no ano de 2020 por meio da Lei nº 14.112/2020 que, dentre outras inovações trazidas à LREF, estendeu a possibilidade de acesso à recuperação judicial às cooperativas médicas operadoras de planos de saúde.
 
O Ministro destacou que “[...] a cooperativa médica, enquanto agente econômico organizado como empresa, não está imune às crises de nossa economia”[5], e foi categórico em afirmar ainda, que:
 
A recuperação judicial é um instrumento que permite às cooperativas médicas renegociar suas dívidas, reestruturar suas atividades e, assim, preservar sua operação, beneficiando não apenas seus associados, mas também a comunidade que depende de seus serviços. A exclusão dessas entidades do benefício da recuperação judicial poderia levar à insolvência e à consequente descontinuidade de serviços essenciais, o que seria contrário ao interesse público.[6]
 
Por fim, concluiu o Ministro Buzzi que:
 
[...] é possível afirmar que as cooperativas médicas estão legitimadas a requerer o benefício da recuperação judicial”, sendo que essa “interpretação está alinhada com o propósito da lei e, pois, do legislador, não apenas de preservar empresas viáveis economicamente, assegurando a continuidade de suas atividades, garantindo os interesses de todos os envolvidos, incluindo os beneficiários dos serviços médicos prestados por tais cooperativas.[7]
 
Assim sendo, a decisão do STJ aplica, na prática, a possibilidade já prevista em lei de utilização do regime de recuperação judicial por cooperativas médicas operadoras de planos de saúde, sendo que a decisão reflete qual o entendimento da Corte Superior na correta intepretação da Lei Federal nesses casos, tendendo, assim, à uniformização das decisões futuras pelos tribunais estaduais, cujo efeito provável será o de fornecer a necessária segurança jurídica à cooperativas médicas em pedidos de recuperação judicial vindouros, expedientes esses aptos a oportunizar a reestruturação financeira dessas atividades em um ambiente de incerteza e instabilidade econômica, com o intuito último de preservação dos serviços essenciais de assistência à saúde.

[1] Recurso Especial nº 2183714 / SP (2024/0218717-9) e Recurso Especial nº 2183710 / SP (2024/0185148-1), julgados em 3/6/2025 e publicados no DJEN de 13/6/2025. Conforme noticiou a Secretaria de Comunicação Social do STJ em 04 de junho de 2025. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/04062025-Cooperativas-operadoras-de-planos-de-saude-podem-pedir-recuperacao-judicial--decide-Quarta-Turma.aspx
[2] Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
[3] Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.
[4] Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
[5] Voto do Min. Marco Buzzi, Relator do Recurso Especial Nº 2183714 - SP (2024/0218717-9).
[6] Ibid.
[7] Voto do Min. Marco Buzzi, Relator do Recurso Especial Nº 2183714 - SP (2024/0218717-9).