22.06

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Contencioso Administrativo e Judicial

STJ interfere em juros de financiamento rural com taxa livre

Por Rafael Walendorff 

Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode afetar as estruturas do crédito rural no país. Por três votos a dois, a Terceira Turma da Corte determinou a redução, de 21% para 12% ao ano, dos juros de um empréstimo que o Bradesco fez em 2016 ao laticínio paranaense Lacto com recursos livres, por meio de uma Cédula Rural Pignoratícia (CRP) de R$ 1,4 milhão.

A taxa original foi pactuada livremente entre as partes, já que a operação não foi feita com recursos controlados. O STJ, no entanto, entendeu que há omissão de regra no Manual de Crédito Rural (MCR) para proteger o tomador da prática de juros “abusivos”, e que por isso o contrato deve obedecer o teto de 12% previsto em um decreto de 1933.

“O Conselho Monetário Nacional (CMN), por meio do item 1 do MCR 6-3, autorizou que as partes, em cédulas de crédito rural com recursos não controlados, pactuem livremente as taxas de juros, mas permaneceu omisso quanto à fixação de um limite, como determina o art. 5º do Decreto-Lei nº 167/1967, de modo que, não havendo limite estabelecido pelo CMN, as taxas acordadas entre as partes não podem ultrapassar o limite de 12% ao ano previsto no Decreto nº 22.626/1933”, diz acórdão publicado no fim de maio, seguindo decisão da ministra Nancy Andrighi.

A definição de teto nos juros pelo CMN, diz a ministra, busca “evitar a fixação de taxas abusivas pelas instituições financeiras e, simultaneamente, permitir certa flexibilidade, uma vez que o limite pode ser constantemente alterado pelo CMN”. A CRP é uma modalidade de cédula de crédito rural com promessa de pagamento em dinheiro, emitida pelo tomador de financiamento e extraída com base no penhor rural.

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, disse que a decisão pode agravar o cenário de escassez de crédito agrícola no país. Apesar de a medida aparentemente beneficiar o setor produtivo, o tiro pode sair pela culatra e gerar instabilidade e riscos aos financiadores.

“A medida não vai ajudar o produtor, vai tirar ainda mais crédito e travar todo sistema de crédito agrícola do Brasil”, disse Da Luz. Segundo ele, a interferência do judiciário na liberdade de pactuação dos juros entre instituições financeiras e produtores atrapalhará o setor. “Juro é o preço do dinheiro e, como qualquer preço, não pode ser congelado”.

Para Márcio Rodrigo Frizzo, advogado do laticínio Lacto, a decisão é um “importante precedente para as empresas do agronegócio” no questionamento de taxas dos financiamentos da atividade. Segundo ele, o que motivou a ação foi a cobrança de juros “muito acima do que normalmente se pratica na atividade rural”. A CRP foi usada para a compra de leite de pecuaristas para produção de queijo.

No processo original, o Lacto pediu que os juros fossem reduzidos para o nível praticado no mercado na época, que era de 8%. Mas a Justiça do Paraná entendeu que, na ausência de posição específica do CMN, o teto aplicado deveria ser o de 12%. O Bradesco questionou a decisão no STJ, que manteve o entendimento.

Frizzo disse que o laticínio ainda não sabe qual valor final será cobrado pelo financiamento, já que a instituição financeira considera que a cédula está inadimplente. O vencimento estava previsto para 8 de novembro de 2016, mas a medida foi judicializada. “O financiamento está sendo pago, e agora com o desconto dos juros acima do fixado pelo judiciário”, afirmou ao Valor. Procurado, o Bradesco disse que “não comenta casos sub judice”. E cabe recurso.

O ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva foi contra a decisão, mas teve o voto vencido. Segundo ele, a atribuição do CMN não é fixar limites percentuais às taxas de juros, mas definir os critérios que devem ser observados nas operações de crédito rural, mesmo que seja para deixar livre a pactuação das alíquotas entre os envolvidos, já que não se trata de dinheiro público nem sujeito a subvenção econômica federal.

“No momento em que se estabelece determinado critério, ainda que seja ele aberto, não se pode mais falar em omissão do referido órgão governamental”, disse ele no voto. O magistrado também lembrou que não se analisou se a contratação do crédito tratou de relação de consumo, “hipótese na qual se poderia admitir a comparação da taxa pactuada com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações da mesma espécie”.

Para o advogado Renato Buranello, o impacto da decisão no mercado de crédito rural não será bom. “Já há exigibilidade e, portanto, juros limitados. Por que nos recursos livres deveria estar limitado também? Não condiz com a regra de mercado. O CMN não impôs limites porque os recursos dessa natureza deverão ser livres”. Procurado, o STJ ainda não respondeu aos questionamentos do Valor.

Fonte: Valor Econômico, 22/06/2022.
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