19.04

Imprensa

Licitações e Contratos Públicos

Relicitação trava no TCU e pode ficar para 2023

Por Daniel Rittner 

A primeira relicitação de concessões devolvidas amigavelmente ao governo federal, que poderia abrir caminho para resolver o impasse envolvendo de uma série de ativos problemáticos, travou no Tribunal de Contas da União (TCU) e corre o risco de não ser mais realizada até o fim de 2022.

A indefinição gira em torno do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, nos arredores de Natal (RN), leiloado em 2011 como uma espécie de projeto-piloto para as privatizações no setor. A Inframérica, atual concessionária, formalizou há dois anos o pedido de devolução do terminal. Segundo fontes, o aeroporto opera com déficit perto de R$ 1 milhão por mês.

O Ministério da Infraestrutura e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) trabalham com o plano de fazer a relicitação de São Gonçalo do Amarante em julho e assinar novo contrato de concessão, com quem sair vitorioso da disputa, em dezembro.

Empresas como Zurich, Fraport, Vinci, Aena e CCR manifestaram ao governo interesse em participar do certame. Todas já atuam na região Nordeste e veem o aeroporto como um ativo que tem sinergia com suas operações.

A Lei 13.448, de 2017, introduziu a possibilidade de devolução amigável das concessões problemáticas e de uma relicitação do contrato em novas bases. A intenção era criar uma alternativa mais rápida e menos traumática aos arrastados processos de caducidade (cassação) das concessões. A empresa que entrega o ativo precisa continuar à frente das operações até a passagem de bastão e tem direito a indenização pelos investimentos não amortizados.

Em números aproximados, a Inframérica calcula em cerca de R$ 700 milhões o direito à indenização em São Gonçalo do Amarante. A Anac fez uma estimativa de pouco mais de R$ 450 milhões. O valor mínimo de outorga sugerido pelo governo para o novo leilão é de R$ 250 milhões.

É aí que começa a indefinição no TCU, que tem impedido a continuidade do processo. Primeiro, houve dúvidas da área técnica do tribunal sobre a necessidade de esperar os “valores controversos” da indenização (aqueles em que há divergências entre governo e concessionária). Chegou-se ao entendimento, contudo, de que não haveria problema em seguir adiante somente com os “valores incontroversos” (para os quais existe consenso) e deixar eventuais divergências para arbitragem - que pode demorar dois anos ou mais.

Resolvido esse ponto na área técnica, o processo subiu para o gabinete do relator, ministro Aroldo Cedraz, no dia 16 de dezembro do ano passado. Há quatro meses espera uma definição.

A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), e representantes da bancada estadual no Congresso já estiveram com Cedraz fazendo um apelo por mais celeridade na análise do processo. O ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas e sua equipe também pediram ao relator que paute o assunto em sessão plenária do tribunal a fim de definir uma solução para o futuro do aeroporto ainda em 2022.

Cedraz avalia se proporá ou não, em seu voto, a exigência de que o edital do novo leilão só saia quando a Anac tiver chegado ao valor definitivo da indenização incontroversa (sem divergências).

O governo defende a publicação do edital sem o valor definitivo. A agência reguladora contratou uma auditoria independente, conforme determina o decreto que regulamenta a Lei 13.448, para certificar suas estimativas.

No entanto, avalia que a relicitação e o cálculo final da indenização devem correr paralelamente. Argumenta que essa certificação ficará pronta em dezembro, junto com a assinatura do novo contrato de concessão, e que a transferência efetiva do ativo só poderá mesmo ocorrer quando for quitada a indenização devida.

Em caso de ágio forte na disputa, o próprio valor final de outorga pode ser suficiente para quitar sozinho essa fatura. Se o preço do leilão ficar no mínimo estipulado (ou perto disso), seriam usadas verbas do Tesouro. O Ministério da Infraestrutura já criou rubrica no orçamento de 2022 para fazer o pagamento, mas a dotação por enquanto é zero. A explicação da pasta é que seria contraprodutivo deixar os recursos “empoçados”, sem uso, até dezembro. Havendo necessidade, diz o ministério, bastaria pedir um crédito suplementar.

Até agora, segundo o Valor apurou, a explicação não convenceu o TCU. A possibilidade de uma determinação do tribunal para só publicar o edital depois dos valores certificados pela auditoria independente assusta o governo. Se isso ocorrer, essas informações definitivas seriam repassadas ao órgão de controle apenas em dezembro deste ano, quando então seriam incorporadas ao processo de análise da relicitação. Significaria, na prática, atrasar tudo em praticamente um ano e deixar o novo leilão para meados de 2023.

A interlocutores próximos, Cedraz tem dito que ficou sobrecarregado com a análise do processo de privatização da Eletrobras, também relatado por ele. O ministro já reconheceu, nas conversas, manter dúvidas sobre o melhor caminho e indicou especial preocupação com o precedente criado pelo aeroporto potiguar.

Outros dois aeroportos - Viracopos (SP) e Galeão (RJ) - estão em devolução pelas atuais concessionárias. O que for decidido em São Gonçalo do Amarante também deve ser aplicado nos dois terminais. O mesmo ocorre com pelo menos cinco concessões de rodovias federais. É o caso da BR-040 (Brasília-Juiz de Fora), da BR-163/MT, da BR-163/MS, da BR-060/153/262 em Minas e Goiás, e da Rodovia do Aço (RJ).

Reservadamente, fontes do governo temem que o atraso nas relicitações envie um sinal ruim ao mercado, passando a mensagem de que a cooperação entre concessionária e poder concedente não resolve contratos problemáticos.

Fonte: Valor Econômico, 18/04/2022.
Tratamento de Dados Pessoais (Data Protection Officer - DPO)

E-mail: lgpd@lippert.com.br