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Contencioso Administrativo e Judicial

Prescrição para ação contra seguradora começa com ciência da recusa de cobertura

Por Danilo Vital

Em regra, nos contratos de seguro, o termo inicial do prazo prescricional de um ano da pretensão do segurado em face do segurador é o momento em que ele toma ciência da recusa da cobertura.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aceitou recurso especial de por um promotor de eventos que teve prejuízos em virtude de fortes chuvas. O colegiado afastou a prescrição do direito de ação para cobrar da seguradora a indenização contratada.

Esse resultado representa uma mudança jurisprudencial. Até então, a posição prevalente no STJ era de que o prazo prescricional teria início no momento em que o segurado tem ciência do dano relacionado ao risco que foi contratado.

A prescrição poderia, ainda, ser suspensa no período entre o pedido de pagamento e a decisão da seguradora, conforme prevê a Súmula 229 do STJ.

O prazo para o segurado exercer essa pretensão contra o segurador é de um ano a partir do fato gerador, conforme o artigo 206, parágrafo 1º, inciso II, alínea “a”, do Código Civil de 2002.

O STJ precisou definir o que se entende por fato gerador: se o dano causado que motivaria o pagamento da indenização securitária ou a recusa da seguradora, o que motivaria a pretensão de fazer a cobrança judicialmente.

Caso concreto

O caso julgado trata de contrato de seguro na modalidade eventos com cobertura para hipótese de “não utilização do local de risco”. Foi exatamente o que aconteceu, já que o contratante sofreu prejuízos por ter de trocar o lugar do evento devido a fortes chuvas na região de Governador Valadares.

O dano ocorreu em 24 de dezembro de 2018 e foi comunicado à seguradora em 15 de janeiro de 2019.

Em 11 de fevereiro de 2019, a empresa se recusou a pagar a indenização. A ação foi ajuizada em 11 de fevereiro de 2020, exatamente um ano depois da recusa.

Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o direito de cobrar judicialmente a seguradora está prescrito, pois transcorreu-se mais de um ano entre a data das chuvas e o ajuizamento da ação — incluindo-se aí a suspensão do prazo entre 15 de janeiro de 2019 e  11 de fevereiro de 2019, prazo em que a seguradora analisou o pedido administrativo do pagamento.

Ao STJ, o promotor de eventos defendeu que a violação do direito só ocorreu quando foi avisado que a seguradora não pagaria a indenização. Foi nesse momento em que surgiu a pretensão de ajuizar a ação.

Qual é o fato gerador?

Relatora, a ministra Nancy Andrighi observou que o “fato gerador da pretensão” citado pelo Código Civil como marco inicial do período de prescrição deve ser a ciência do segurado acerca da recusa da cobertura securitária pelo segurador.

Isso porque, com o sinistro, o segurado adquiriu o direito à indenização contratada, mas ainda sem a exigibilidade, a qual teria de ser avaliada pela seguradora, a partir da análise do contrato e do fato ocorrido.

“É, em regra, a ciência do segurado a respeito da recusa da cobertura securitária pelo segurador que representa o “fato gerador da pretensão”, devendo, a partir deste instante, portanto, iniciar-se o transcurso do prazo prescricional”, apontou a ministra Nancy Andrighi.

Em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou a posição. Explicou que, ocorrido o sinistro, o segurado tem um ano para exercer a pretensão de cobrar a indenização da seguradora, seja pela via administrativa ou pela via judicial.

Se a seguradora recusar o pagamento, ele passa a ter outro ano para ajuizar ação impugnando a recusa. “Esse entendimento preserva tanto o instituto da prescrição quanto o titular da pretensão que não permaneceu inerte, buscando seus direitos e impedindo a consolidação de fatos no tempo”, disse o ministro Cueva.

Consequências

Segundo a relatora, entender que o prazo inicial é a data do sinistro estimularia aos contratantes de seguro que ajuizassem ações de cobrança antes mesmo de comunicar a seguradora do ocorrido, já que o prazo prescricional já estaria em curso.

Por outro lado, ela descartou a ocorrência do efeito reverso: de que, ao colocar como terno inicial da prescrição a recusa da seguradora, o STJ acabe por eternizar esse prazo na hipótese em que o segurado demorar para comunicar o fato à seguradora.

“Isso porque o artigo 771 do Código Civil estabelece que “sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências”.

Ou seja, há uma cláusula geral que impõe ao segurado a obrigação de comunicar a ocorrência do sinistro ao segurador, sob pena de perder o direito à indenização.

Marco para o mercado

O advogado Pedro Ivo Mello, especialista na área de seguros e resseguros, considera a nova decisão do STJ um marco para o mercado.

“O reestabelecimento da correta forma de contagem dos prazos prescricionais para os seguros em geral, em conformidade com o que estabelece o Código Civil vigente, é imprescindível para conferir segurança jurídica às relações contratuais securitárias”.

Mello, cujo artigo acadêmico Aviso de sinistro foi citado pelo voto condutor, recorda que há pelo menos 30 anos jurisprudência e doutrina debatem esse tema.

"Com a promulgação do Código Civil de 2002, essa discussão poderia ter sido sedimentada. Infelizmente, por influência da Súmula 229 do STJ, editada na vigência do antigo Código Civil, o prazo prescricional das pretensões de seguros vinha sendo aplicado de forma errônea. O precedente, portanto, é fundamental para que se corrija esse erro judicial histórico, altamente prejudicial aos segurados e às próprias seguradoras, que muitas vezes são demandadas judicialmente no prazo de um ano contado do sinistro, sem que ao menos tenham negado a cobertura. Essa insegurança jurídica muitas vezes obriga o segurado mais cauteloso a litigar sem qualquer necessidade”.

E conclui Mello: “O próximo passo que o STJ poderia adotar é levar a discussão da revogação da Súmula 229 para a 2ª Seção, de modo que se possa pôr uma pá de cal sobre esse equívoco”.

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REsp 1.970.111

Fonte: ConJur, 15/04/2022.
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