14.06

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Direito Constitucional

Lei que obriga comércio a fornecer água filtrada grátis é inconstitucional

Por Tábata Viapiana
 
Se nem mesmo o Estado oferece gratuitamente água filtrada aos cidadãos, exigir dos comerciantes tal comportamento, alguns de pequeno porte financeiro, configura modelo desproporcional e irrazoável às exigências regulares da atividade econômica, em desapreço ao princípio da livre iniciativa.

O entendimento foi adotado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei municipal de São Paulo, que previa a oferta gratuita de “água da casa” em estabelecimentos comerciais. A decisão foi por maioria de votos.
 
Segundo a norma, bares, hotéis, restaurantes, lanchonetes, padarias, cafeterias e estabelecimentos semelhantes que comercializam água engarrafada na cidade de São Paulo também tinham a obrigação de servir gratuitamente água filtrada a seus clientes, sempre que solicitada, sob pena de multa que poderia chegar a R$ 8 mil.
 
Com o argumento de ofensa aos princípios da razoabilidade e da livre iniciativa, a Confederação Nacional do Turismo ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade. O relator, desembargador James Siano, concordou com as alegações e, ao julgar a ADI procedente, disse que a lei configurou indevida intromissão do Estado no exercício de uma atividade econômica privada.
 
"A lei impõe aos estabelecimentos comerciais destinatários a oferta de um determinado produto, água potável filtrada, e de forma gratuita, ainda que sabidamente haja custos de natureza econômica para aquisição da água disponibilizada pela concessionária do serviço público (Sabesp) e também para a manutenção do sistema de filtragem que é exigido para conservação e observância dos parâmetros adequados de potabilidade", disse.
 
Além do incremento do custo para o fornecedor, o magistrado afirmou que a oferta gratuita de água também representaria, em algum nível, a redução da venda de bebidas que estão no cardápio e fazem parte da receita ordinária dos estabelecimentos comerciais da capital.
 
"Ou seja, impõe um produto específico a ser ofertado gratuitamente pelo empresário e por consequência faz com que ele abra mão de uma parte da receita, sem haver qualquer compensação estatal, o que se revela em desconformidade com os princípios da razoabilidade, imbricado com a proporcionalidade, e da livre iniciativa", completou.
 
De acordo com Siano, é baliza da livre iniciativa a busca do lucro por meio da oferta de produtos e serviços necessários e desejados pela sociedade, o que se vincula com a concepção capitalista de produção, "experiência humana que sabidamente mais permitiu o almejado crescimento econômico".
 
"Induvidosamente a oferta graciosa de água filtrada é algo desejável, mas não pode superar sua natureza própria de uma cortesia, a qual se for considerada determinante pelo consumidor pode influenciar, por exemplo, na escolha de um restaurante, que conceda tal gentileza a seus clientes, de modo que as relações de mercado podem efetivamente torná-la determinante, mas não a imposição legal", afirmou o relator.
 
Medida desproporcional 

Para o magistrado, o encarecimento e a dificuldade gerados ao empresário são fatores de desestímulo ao exercício da atividade, o que também prejudica o consumidor pela possibilidade de redução da concorrência e, consequente, aumento do preço, como também pelo repasse genérico dos custos oriundos da adoção da medida, ainda que o cliente decida não usufruir da benesse imposta por lei.
 
"A desproporcionalidade é tamanha que também gera prejuízo para o cidadão de modo geral, porque a redução do potencial econômico reflete forçosamente na diminuição da receita pública decorrente de tributos e assim deteriora as condições econômicas para o exercício de políticas públicas a serem implantadas em favor da sociedade, no que se insere aquelas necessárias à proteção da saúde e do meio ambiente", acrescentou.
 
Ainda segundo o relator, cria-se um círculo vicioso quando se concede um benefício a ser sustentado por um determinado ramo da atividade comercial, desprovido de qualquer contrapartida do poder público, impondo uma gratuidade com base no risco de aplicação de multa, que pode atingir o elevado valor de R$ 8 mil.
 
"Ora, se nem mesmo o tabelamento de preço é aceito no mercado de consumo, segundo o princípio da livre concorrência, quanto mais a obrigação de concessão gratuita de um produto que tem para o empresário um custo de aquisição, manejo e conservação. Assim sendo, afigura-se desproporcional a violência praticada à liberdade econômica, ainda que sejam respeitáveis os objetivos almejados", concluiu Siano.
 
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Processo 2201038-97.2021.8.26.0000
 
Fonte: ConJur, 13/06/2022.
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