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Direito Ambiental

EUA e China fazem sinalização política em favor do clima

Por Daniela Chiaretti — De Glasgow

Ao anunciarem ontem uma declaração conjunta, os dois maiores emissores de gases-estufa do mundo, EUA e China, fizeram uma sinalização política de que, embora estejam em desacordo em diversas questões geopolíticas, territoriais e de direitos humanos, pretendem cooperar em clima. O comunicado, contudo, não despertou entusiasmo na COP26, em Glasgow.

O comunicado levou dez meses e 30 encontros para ser costurado, alguns presenciais, entre os americanos e chineses. Nada ali é tão contundente como foi, em 2014, o acordo firmado entre os presidentes Barack Obama e Xi Jinping, decisivo para que mais de 190 países costurassem o Acordo de Paris, no ano seguinte.

Elementos interessantes da declaração estão dispersos em seus 16 itens. O mais forte é o que indica que os dois maiores emissores globais irão apresentar seus novos compromissos climáticos - as NDCs - em 2025, para 2035. Até agora a China lançaria sua NDC em 2030, para 2040. Estes longos períodos são considerados inadequados por cientistas e ambientalistas, dada a urgência da crise.

“É sempre bom quando os dois maiores emissores do mundo colaboram para resolver a crise climática”, disse ao Valor Jennifer Morgan, diretora-executiva do Greenpeace Internacional.

“O fato de ambos declararem que querem trabalhar para aumentar o nível de ambição e implementação nesta década para fechar as lacunas são importantes, mas é claro que eles têm que avançar muito mais”, seguiu.

“Precisamos pensar grande e ser responsáveis”, afirmou o enviado especial para clima da China, Xie Zhenhua, à imprensa.

John Kerry, o enviado especial para clima da Casa Branca, falou em seguida. “EUA e China têm muitas diferenças, mas não em clima. A cooperação é a única forma de enfrentarmos este problema.”

A China, que não havia assinado a aliança para cortar 30% das emissões de metano até 2030, iniciativa dos EUA com apoio da União Europeia (UE), resolveu aderir a esse acordo, mas por conta própria, anunciando um plano nacional, e sem estipular metas.

Os EUA, por seu lado, parecem ter cedido na frase sempre repetida pela presidência britânica da COP de “manter 1,5ºC vivo”.

A China, logo no início da COP26, deixou claro que o Acordo de Paris tem duas metas - conseguir reduzir as emissões globais de modo a manter o aquecimento bem abaixo de 2ºC, com foco em 1,5ºC. Falar apenas de uma dessas metas, a de 1,5ºC seria “reabrir o Acordo de Paris”, diz Pequim.

A declaração EUA-China tem uma mensagem importante ao Brasil. “Reconhecendo que a eliminação do desmatamento ilegal global contribuiria significativamente para o esforço de alcançar as metas de Paris, os dois países acolhem favoravelmente a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra”, diz o texto, referindo-se à coalizão pelo fim do desmatamento em 2030.

“Os dois lados pretendem colaborar em apoio à eliminação do desmatamento ilegal global através da aplicação efetiva de suas respectivas leis sobre a proibição de importações ilegais”, segue o comunicado.

É a primeira vez que uma declaração sobre desmatamento inclui o termo “ilegal”, como repetem as autoridades brasileiras. Mas o recado é claro: China e EUA reforçarão suas legislações para não comprar produtos que tenham alguma ligação com desmatamento.

“O comunicado conjunto surpreendeu e pode ter importância significativa porque marca uma mudança na posição da China que, durante o ano todo condicionou a cooperação com os EUA à diminuição da crítica americana a questões como Taiwan e Hong Kong, o Mar do Sul da China e os direitos humanos”, diz o professor de Relação Internacionais Eduardo Viola, especialista em política climática e em política americana.

“Provavelmente a mudança da China se deve à percepção de estar tendo imagem negativa em Glasgow, pela falta de ambição nas metas, por não ter participado da aliança pela redução de metano e pelo presidente Xi Jinping não ter ido a Glasgow”, continua Viola.

“A declaração conjunta é um fato político que vira o jogo”, diz um negociador. “Ajuda a desbloquear as negociações na COP porque os demais seguem, inclusive a União Europeia. Dá novo fôlego para o Acordo de Paris.”

Ontem, a presidência da COP divulgou um rascunho de texto final. Havia apenas duas vezes o uso do verbo “decidir”. O restante do texto empregava termos como “recomendam” ou “sugerem”. O texto não avançava em tópicos críticos na COP26 como financiamento, adaptação e perdas e danos.

“É um texto sem dentes”, disse Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

A jornalista viajou a Glasgow a convite do Instituto Arapyaú

Fonte: Valor Econômico, 11/11/2021.
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