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Direito Arbitral

STJ decide suspender arbitragem contra os controladores de empresa

Por Joice Bacelo

O ministro Marco Aurélio Bellizze, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), atendeu pedido da JBS e suspendeu arbitragem movida por sócios minoritários contra os controladores da empresa. O processo, instaurado em 2017, envolve pedido de ressarcimento à companhia pelo desvio de caixa para pagamento de propina. Estão em jogo cerca de R$ 12 bilhões.

Bellizze levou em conta a existência de uma outra arbitragem sobre o mesmo tema, bem mais recente - de janeiro de 2021 -, que tem como autora a própria JBS. Para ele, o processo movido pela companhia prevalece sobre o dos minoritários.

A decisão é inédita. Nunca antes se viu, no STJ, o julgamento de um conflito de competência envolvendo tribunais arbitrais. Conflitos de competência ocorrem quando dois juízes se declaram competentes para julgar um caso. A Corte é chamada pelas partes para decidir.

Geralmente os casos levados ao STJ envolvem conflitos existentes no próprio Judiciário - entre juiz federal e juiz estadual, por exemplo. Os ministros têm decisões, em menor escala, também entre Judiciário e arbitragem.

No caso envolvendo a JBS trata-se somente de arbitragem. Os processos foram abertos na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), que fica hospedada na B3. A companhia, antes de recorrer ao STJ, havia apresentado pedido de extinção do procedimento aberto pelos minoritários aos próprios árbitros que estão julgando o caso. Mas eles não aceitaram.

Já o tribunal arbitral responsável por julgar o processo que tem a própria companhia como autora diz que a sentença que vier a ser ali proferida sobre a responsabilidade civil de controladores, administradores e ex-administradores vai prevalecer sobre o que for decidido na arbitragem dos minoritários - caso tal processo não seja extinto.

Os minoritários em questão são a gestora de recursos SPS Capital e o investidor Aurélio Valporto. Eles iniciaram a arbitragem, no ano de 2017, depois que os irmãos Wesley e Joesley Batista confessaram que cometeram atos de corrupção em acordos de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (MPF).

A abertura de um novo processo pela JBS - quatro anos mais tarde - é considerada como manobra para atender aos interesses dos controladores. Os minoritários afirmaram ao ministro Bellizze que a empresa não foi excluída do processo movido por eles. Pelo contrário, participa como parte interveniente desde o início da arbitragem e poderia, se quisesse, fazer intervenções nesse processo.

A JBS, por outro lado, diz que pretendia ter iniciado um procedimento próprio desde 2017 e que só não o fez porque ficou impedida de realizar a assembleia geral extraordinária que deliberaria sobre o tema.

Essa assembleia havia sido provocada pelo BNDES. Mas surgiu discussão, na época, sobre a participação dos irmãos Batista - se teriam ou não direito a voto. O caso foi parar na Justiça e o prazo para a convocação dos acionistas foi suspenso. A assembleia ocorreu somente em outubro de 2020, o que justificaria o início da arbitragem em janeiro de 2021.

A JBS defendeu ao ministro Bellizze que a assembleia é soberana e tem de ser reconhecida como titular do pedido de ressarcimento. Primeiro por ser a parte diretamente afetada e, depois, porque a decisão arbitral vinculará indistintamente todos os seus acionistas.

O ministro, ao decidir o caso, fez questão de frisar que a Câmara de Arbitragem do Mercado se disse incompetente para proferir decisão sobre a nulidade de atos processuais e suspensão de arbitragem. Justificou ausência de previsão regulamentar e, em especial, o caráter jurisdicional das deliberações.

Bellizze considerou, para decidir em favor da JBS, que na arbitragem são as partes que escolhem os árbitros que decidirão o conflito e que a companhia - titular do direito à indenização pleiteado pelos minoritários - não participou da escolha dos árbitros nem concedeu a eles seu assentimento.

“A companhia foi integrada na condição de interveniente. Ainda que tenha obtido conhecimento dos atos até então praticados, a JBS não exerce os direitos próprios de parte, no que se insere, principalmente, a possibilidade de participar da escolha dos árbitros”, afirmou Bellizze.

Ele considerou ainda que a nova arbitragem, promovida pela companhia, é mais ampla. Pede a responsabilização de controladores, administradores e ex-administradores, enquanto que o processo dos minoritários foi movido somente contra os controladores.

O ministro levou em conta também o fato de a companhia ter convocado assembleia para deliberar sobre a responsabilização civil de controladores e administradores antes de os minoritários iniciarem o processo arbitral.

“A assembleia não se realizou de modo imediato em razão de medida cautelar pré-arbitral. Em princípio, não se antevê, nesse quadro, nenhuma inércia por parte da companhia”, frisou Bellizze na decisão. O ministro encaminhou o caso para julgamento na 2ª Seção.

Esse processo tramita em segredo de justiça. A decisão do ministro Bellizze, no entanto - com todas as informações do caso -, tornou-se pública porque foi divulgada no Diário da Justiça.

O Valor apurou, além disso, que os irmãos Wesley e Joesley Batista protocolaram ontem um pedido para ingressar no processo na condição de terceiros interessados. Até o fechamento da edição, não havia ainda decisão.

Agora, os minoritários devem tentar convencer a 2ª Seção a reverter a decisão de Bellizze com o argumento de não existir, na lei, exigência de assembleia para autorizar a propositura de ação contra os controladores. A JBS não precisaria, portanto, ter esperado por quatro anos.

Há preocupação, entre especialistas na área, em relação ao precedente que poderá ser gerado com essa decisão. O pedido de abertura da arbitragem dos minoritários tem base no artigo 246 da Lei das S/A. Esse dispositivo permite que acionistas proponham ação contra o controlador em nome da companhia.

Se a 2ª Seção decidir pela extinção dessa arbitragem, dizem advogados, esse dispositivo pode virar letra morta na lei. “Do ponto de vista societário está deixando todo mundo preocupado. Se o artigo 246 for desconsiderado, diminui muito o poder de fogo dos minoritários”, observa o advogado Rômulo Greff Mariani.

Para Gustavo Gonzalez, ex-diretor da CVM, dar à companhia o poder de, a qualquer momento, acabar com a ação proposta pelo minoritário “fere de morte” o regime de responsabilidade do acionista controlador que está instituído na lei societária brasileira. “Nenhum acionista minoritário irá propor ação contra o controlador se essa decisão for confirmada.”

Para advogados que atuam na arbitragem, o caminho correto, quando a parte entende que existem vícios no processo arbitral, seria entrar com uma ação anulatória na Justiça. No caso envolvendo a JBS, no entanto, o prazo para apresentar esse recurso contra a decisão do tribunal arbitral de não extinguir o processo dos minoritários já se esgotou. São até 90 dias da sentença.

JBS e os representantes dos minoritários foram procurados pelo Valor, mas não comentaram.

Fonte: Valor Econômico, 13/04/2022.
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