09.03

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Direito do Consumidor

Birôs de crédito e setor de factoring combatem ‘indústria de liminares’

Por Beatriz Olivon

Órgãos de proteção ao crédito e empresas de factoring estão preocupados com o volume de ações coletivas para limpar o nome de devedores, sem o pagamento das dívidas. Consideram haver uma “indústria de liminares”, obtidas por associações de consumidores - algumas de fachada -, que acabam vendendo o direito a novos associados.

Para tentar eliminar essa indústria, entidades como a Associação Brasileira de Factoring, Securitização e Empresas Simples de Crédito (Abrafesc), a Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC) - que reúne entre suas associadas a Boa Vista Serviços e a Serasa Experian -, o Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring (Sinfac) e a Central de Protestos (Cenprot) formaram um grupo de trabalho. Estão atuando em duas frentes: no Judiciário e no Legislativo.

“Essa indústria só precisa de uma liminar ativa para que esses devedores possam continuar contraindo dívidas e deixar novos prejuízos no mercado”, afirma Doriana Pieri Bento, diretora da Abrafesc e coordenadora do grupo de trabalho. Ela acrescenta que, com essas decisões, perde-se a possibilidade de “negativar” nomes de devedores contumazes, o que influencia na taxa de juros cobrada dos demais consumidores em razão de aumento de risco.

Essas entidades, de acordo com a coordenadora, cobram, em geral, cerca de R$ 3,5 mil para excluir pessoas físicas (CPF) e jurídicas (CNPJ) dos cadastros restritivos de crédito. Hoje, afirma, estão concentradas nos Estados da Paraíba, Pernambuco e Piauí. Mas podem beneficiar, por meio dessas liminares, associados em qualquer parte do país. “Muitas vezes são de fachada, que não oferecem outro serviço”, diz.

Nos pedidos, muitos deles em segredo judicial, normalmente alegam que os devedores não foram devidamente notificados sobre a inscrição em órgãos de proteção de crédito, o que é acatado por juízes. Em uma recente decisão, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) manteve liminar obtida por uma associação (processo nº 0838191-69.2021.8.15.2001).

Para o desembargador João Alves da Silva, não ficou comprovado o regular envio das notificações. “Dos autos se extrai que a parte agravante juntou aos autos mais de 1.400 páginas de documentos, não relacionando o nome da parte com o ID que comprova o envio da notificação, dificultando sobremaneira o exame dos autos”, diz. “É cediço que o Poder Judiciário não pode, com o volume de processos que recebe diariamente e o acervo existente, desperdiçar tempo tentando compreender peças desorganizadas e sem um nexo causal.”

Em outro caso, destaca Doriana, um órgão de proteção ao crédito foi obrigado a eliminar as restrições de 7.029 pessoas físicas e jurídicas, com dívidas que somavam R$ 1,87 bilhão. “Isso gera um prejuízo muito grande à indústria de crédito. É um incentivo a maus pagadores”, afirma.

Elias Sfeir, presidente da ANBC, destaca que essas ações coletivas geram insegurança para quem fornece crédito, que acaba ficando sem informações. O registro, acrescenta, pode ser contestado pelo tomador de crédito a qualquer momento e ser cancelado se for o caso. “Mas a suspensão do registro sem a devida regularização acaba causando uma distorção”, diz.

Na segunda-feira, o grupo de trabalho reuniu-se com representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para apresentar um parecer jurídico-econômico sobre o assunto. O grupo também prepara uma proposição para alterar a Medida Provisória nº 1.085, de 2021, conhecida como MP dos cartórios. Quer que as inscrições beneficiadas por essas liminares não sejam excluídas da publicidade dos protestos existentes.

O CNJ pediu que o grupo apresente medidas concretas, de acordo com Hamilton de Brito Junior, presidente das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo (Sinfac-SP), que participou da reunião. Uma das solicitações, diz, será o apoio do Conselho para a alteração na medida provisória.

Brito Junior destaca que algumas associações têm propagandas indicando a prática. Uma delas informa o potencial cliente de que é possível regularizar o CPF ou o CNPJ em até 15 dias, por meio de liminar, ”sem precisar pagar as dívidas que estão no SPC Serasa e até Banco Central”.

Luciano Timm, advogado e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), afirma que existem diferentes perfis de litigância predatória, entre eles a das associações com as ações coletivas para limpar os nomes de devedores. “A atuação dessas associações levam a um prejuízo sistêmico aos outros consumidores, que podem ter de pagar juros mais elevados, por exemplo”, diz ele, que é autor de parecer apresentado na reunião com o CNJ.

O Procon-SP, que não integra essas ações, orienta os consumidores a tentarem negociar suas dívidas diretamente com os credores. “Não caia em promessas de empresas que afirmam ser possível ‘limpar o nome sem pagar a dívida’. Isso não existe”, informa em orientação destinada a consumidores, enviada ao Valor.

O órgão indica que, caso opte em contratar empresas que oferecem a reabilitação de crédito, o consumidor deve exigir que o contrato discrimine com clareza algumas informações, como o que será feito, a identificação do fornecedor, preço e qual a penalidade por atraso no pagamento. “A empresa é obrigada a prestar contas de tudo o que foi feito e, ainda, apresentar os protocolos e/ou pedidos de cancelamento nos órgãos competentes”, afirma.

Antes de negativar o nome do consumidor, de acordo com o Procon-SP, a empresa deve notificá-lo por escrito. Ao quitar a dívida (ou uma parcela do acordo firmado com o credor), o nome do consumidor deve sair do cadastro de devedores em até cinco dias úteis. A entidade ainda alerta para os consumidores não caírem na armadilha da dívida falsa. Por isso, orienta a não efetuarem nenhum pagamento até ter todas as informações a respeito da cobrança.

Procurados pelo Valor, o CNJ e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não deram retorno até o fechamento da edição. Não foram localizados representantes de associações e consultorias que ajuizaram ações coletivas e obtiveram liminares para limpar os nomes de devedores.

Fonte: Valor Econômico, 09/03/2022.
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