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Realidade muda, mas desmate ainda trava acordo UE-Mercosul

Por Assis Moreira

A Comissão Europeia sinalizou ontem que, no atual contexto geopolítico, torna-se ainda mais importante avançar com seus acordos comerciais, incluindo o com o Mercosul. Mas que no momento não vai proceder com a ratificação do acordo. Um trabalho para atender as preocupações ambientais, incluindo desmatamento, ainda está em andamento.

Apesar da estratégia europeia de buscar garantir o abastecimento de matérias-primas, uma série de tuítes nesta semana mostrou que o acordo de livre-comércio com o Mercosul continua causando polêmicas em diferentes setores na Europa.

Enquanto a Rússia aumentava os ataques à Ucrânia, na terça-feira o presidente da Comissão de Comércio Internacional (Inta, na sigla em inglês) do Parlamento Europeu, Bernd Lange, social-democrata alemão, tuitou que “no contexto atual, em que as regras internacionais são quebradas sem justificativa e o multilateralismo está sob grave ameaça, nossos acordos comerciais com Chile, México e Nova Zelândia podem servir ainda mais como elementos estabilizadores que sustentam um sistema internacional baseado em regras”.

Houve reação imediata. De um lado, o embaixador do México junto à UE, Rogelio Granguillhome, retuitou com entusiasmo: ‘’Concordo plenamente com você, sr. Lange! No México, estamos prontos para assinar o acordo global México-UE modernizado”.

Já Emily Rees, diretora da consultoria Trade Strategies, em Bruxelas, retuitou a mensagem com uma indagação: “E o Mercosul?”. O tuíte de Emily foi retuitado em seguida pela própria diretora-geral de Comércio da Comissão Europeia, Sabine Weyand, sem comentário, mas que evidentemente significava reforçar a indagação. Outro diretor de Comércio da UE, Rupert Schlegelmilch, um dos principais negociadores do acordo com o Mercosul, também retuitou a indagação de Emily acrescentando: “Boa pergunta”.

Questionado por que deixou o Mercosul de fora, Lange não respondeu até a conclusão desta edição. Mas não surpreende, pela precaução com a posição do Partido Verde, na coalizão agora no governo em Berlim.

“O presidente do Comitê de Comércio Internacional do Parlamento Europeu tem se posicionado contra a ratificação do acordo com o Mercosul”, afirma Emily Rees. “Num momento no qual a União Europeia precisa buscar parceiros, essa resistência motivada pela agenda ambiental é ultrapassada, já que a melhor forma de combater o desmatamento seria trabalhar em parceria com o Brasil usando as disposições do acordo.”

Já Sabine Weyand nunca oscilou na defesa do acordo birregional, dizem fontes que a conhecem bem. Pelos cálculos da Comissão Europeia, o acordo UE-Mercosul é oito vezes maior que o do bloco com o Canadá e quatro vezes maior que o feito pelos europeus com o Japão.

Indagado pelo Valor sobre os tuítes da discórdia, a Comissão Europeia afirmou ontem que o acordo UE-Mercosul “é de grande importância econômica e geoestratégica, une nossas regiões em parceria e cooperação. Não ratificá-lo representaria um revés para a reputação da UE na região e proporcionaria uma vantagem importante para outros parceiros comerciais, como a China ou os EUA. O engajamento é melhor do que o desacoplamento”.

Dito isso, porém, a UE “reconhece as preocupações com a sustentabilidade e as questões ambientais, em particular o problema do desmatamento”. Lembra que o comissário de Comércio, Valdis Dombrovskis, tornou prioritário abordar essas preocupações.

“Portanto, a UE não está procedendo à ratificação no momento. Atualmente estamos trabalhando em um instrumento adicional para acompanhar o acordo, abordando tais preocupações. O objetivo é trazer mais clareza e detalhes sobre os compromissos de ambas as partes”, acrescentou, em referência a reforçar compromissos do Mercosul na área ambiental. Desde o ano passado, Bruxelas deveria ter apresentado sua demanda ao Mercosul, para negociações. E aparentemente essa proposta ainda não chegou à sua fase final de elaboração no bloco comunitário.

Para a UE, isso faria parte de um pacote de medidas destinadas a tratar das preocupações de sustentabilidade em linha com seus objetivos do Pacto Verde Europeu, “incluindo medidas autônomas da UE sobre desmatamento e a recente proposta de ‘due diligence’ [que proíbe importação de seis commodities, como carne bovina, soja e café se vier de área desmatada], bem como cooperação bilateral”.

A visão de Bruxelas é de que “ter um acordo significa que temos fortes ferramentas para envolver o Mercosul nos desafios globais, desde a mudança climática e a biodiversidade até os direitos trabalhistas. Isso nos oferece uma importante plataforma adicional para promover melhorias nessas áreas no Mercosul. Em outras palavras, estamos melhor com este acordo do que sem ele”.

Em setores importantes na Europa, a avaliação é de que os europeus tendem a esperar a eleição presidencial no Brasil. Outras fontes no setor privado notam que dois dos últimos presidentes que foram a Moscou tratar de aproximação bilateral com a Rússia, pouco antes da guerra, foram justamente Alberto Fernández, da Argentina, e Bolsonaro.

Na sua conversa com Putin em Moscou, Fernández ofereceu a Argentina “como porta de entrada da Rússia na América Latina de modo mais decidido”. Quanto a Bolsonaro, disse a Putin que era solidário à Rússia, sem explicitar no que. Depois colocou o Brasil como “neutro” em meio aos ataques russos na Ucrânia.

Fonte: Valor Econômico, 10/03/2022.
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