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Contencioso Administrativo e Judicial

Negócio jurídico processual não pode dispor sobre ato regido por norma de ordem pública

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no negócio jurídico processual, não é possível às partes convencionar sobre ato processual regido por norma de ordem pública, cuja aplicação é obrigatória. 

O colegiado reforçou que a liberdade negocial trazida pelo artigo 190 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 está sempre condicionada ao respeito à dignidade da pessoa humana e às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito.

No caso analisado pela turma, uma empresa recorreu de acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou nula a convenção firmada em contrato de compra e venda entre ela e uma empresa cliente. Pelo acordo entre as partes, a credora estaria autorizada a obter liminarmente o bloqueio dos ativos financeiros da parte devedora sem que esta fosse ouvida e sem a necessidade de prestação de garantia.

A empresa fornecedora alegou que a convenção, devidamente registrada no contrato, baseou-se no princípio da livre manifestação de vontade das partes, prestigiado pelo novo CPC.

Corroborando o entendimento de primeira instância, o TJSP consignou que a forma de solicitação de providências judiciais para constrição do patrimônio do devedor – liminarmente – interferiria no poder geral de cautela do julgador, uma vez que o deferimento de tutela provisória de urgência, antes mesmo da citação do executado, é ato privativo do magistrado, sendo, portanto, inviável convenção privada acerca da questão.

Autonomia privada

Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, destacou entendimento da doutrina segundo o qual a autonomia da vontade, antes definida como a qualidade de essência do negócio, deu lugar à autonomia privada, em que a associação a princípios como o da boa-fé e o da solidariedade social tornou-se impositiva.

Ele mencionou ainda as inovações do CPC de 2015, com destaque para o artigo 190, que formalizou a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, conferindo "certa flexibilização procedimental ao processo, tendo em mira a promoção efetiva do direito material discutido".

"Ganha destaque a sistematicidade com que o novo CPC articulou uma cláusula geral de negociação, consagrando a atipicidade como meio apto à adequação das demandas às especificidades da causa e segundo a conveniência dos litigantes, sempre, é claro, moldada pelos limites impostos pelo ordenamento jurídico", afirmou o relator.


Ditames constitucionais

Para o ministro, a cláusula geral do negócio jurídico processual prevista no CPC surgiu em contraposição ao modelo procedimental rígido estabelecido em lei, facultando a flexibilização do sistema e concedendo poder de autorregramento às partes na gestão de seu processo.

Porém, salientou que o artigo 190 do CPC apenas deixou expressa a existência dos negócios processuais, sem delimitar contornos precisos, optando pelo uso de termos indeterminados para conceituar a cláusula geral.

Juristas mencionados pelo relator em seu voto sustentam que, quando o acordo processual interferir em poderes, deveres ou faculdades do magistrado, será necessário que este concorde com seus termos, com base em juízo discricionário. Mesmo assim – destacou o ministro –, o juiz não será parte da convenção processual, pois não titulariza situações processuais em nome próprio, e sim em nome do Estado, razão pela qual "não pode dispor de situação alguma".

De acordo com Luis Felipe Salomão, o parágrafo único do artigo 190 poderia levar à conclusão de que os negócios jurídicos processuais não se sujeitariam a um juízo de conveniência do magistrado, exceto nos casos de nulidade, de inserção abusiva em contrato de adesão ou de vulnerabilidade manifesta de uma das partes.

Contudo, o ministro ressaltou que esse controle é complexo, pois "não se limita à observância dos requisitos de validade apontados na legislação híbrida entre direito processual e civil, mas também, e principalmente, aos ditames constitucionais".

Contraditório

No caso em julgamento, Salomão considerou acertada a decisão do tribunal de origem, destacando a afronta à cláusula legal e constitucional que prevê o direito ao processo justo, conduzido pelo juiz competente, sendo incongruente vincular o julgador à forma pactuada pelas partes para a realização de função de sua titularidade.

Além disso – ressaltou –, a ausência de contraditório, em tal situação, pode resultar em desigualdade de armas no processo, caso em que o negócio processual, ao menos nesse ponto, deverá ser considerado inválido.

"O contraditório, enquanto assegurador do poder de participação da parte no processo, garante efetiva influência do sujeito que dele se vale na formação do convencimento do magistrado, integrando o próprio conceito de processo, de modo a redundar em sua absoluta indispensabilidade à órbita processual" – concluiu.

REsp 1810444

Fonte: STJ, 25/02/2021.
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