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Múltis avançam com plano para cobrar royalties de transgênicos

Por Camila Souza Ramos

As quatro multinacionais que dominam o mercado de insumos agrícolas e biotecnologia uniram-se em um novo negócio para cobrar royalties sobre a soja transgênica plantada no Brasil, em uma iniciativa que revoltou a principal entidade de representação dos produtores. Em consultas feitas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o projeto, apresentado por Bayer, Basf, Corteva e Syngenta, outros integrantes da cadeia também afirmaram temer o compartilhamento de estratégias comerciais entre as empresas, o que elas refutam.

O negócio das múltis, batizado de Cultive Biotec, está sendo feito sem alarde. Não houve anúncio à imprensa, mas as quatro empresas criaram um site em defesa do negócio e estão se reunindo com associações e agentes da cadeia, afirmou ao Valor a executiva Silvia Fagnani, cofundadora do grupo de lobby ThinkBrasil e contratada para representar a Cultive Biotec em outubro de 2020. Outras duas empresas do setor já manifestaram interesse em entrar na sociedade, disse. As quatro companhias que estão envolvidas atualmente foram procuradas, mas não comentaram.

Em petição ao Cade, elas explicaram que querem desenvolver um sistema de fiscalização que identifique a propriedade intelectual dos grãos transgênicos com testes nos caminhões de soja que chegam aos pontos de entrega de tradings, cerealistas e cooperativas e que lhes permita cobrar os royalties. Atualmente, os produtores podem obter a semente transgênica não só pela compra, mas também pelo “salvamento”, prática em que parte da colheita de uma safra é usada para plantar a safra seguinte - mas conforme certas regras.

No salvamento, os produtores devem informar a prática ao Ministério da Agricultura, reter uma quantidade “compatível” com a necessidade de plantio e não podem comercializar as sementes. Em documento ao Cade, a Aprosoja disse não há como garantir que a joint venture tenha um sistema de não compartilhamento de “informações comercialmente sensíveis” e acusou o sistema de “falsear” uma “prática colusiva” (anticompetitiva).

Outro lado

A Aprosoja critica o formato da fiscalização da nova companhia e afirma que os agricultores estarão “à mercê de um modelo impossível de ser questionado”, sem direito de defesa. A entidade afirmou que a indústria pode, por exemplo, considerar como resultado de produção de sementes transgênicas volumes que apenas resultaram de uma produtividade acima da média. Temem, ainda, que não se discriminem “contaminações não-intencionais”. A associação afirmou ainda, em nota ao Valor, que, com a unificação do sistema de cobrança, “perpetuam-se falhas graves do sistema, frustram-se expectativas de uma concorrência efetiva, sofrem injustamente os sojicultores brasileiros, sem sequer um sistema de defesa adequado”.

Outra preocupação que emergiu na cadeia é a de que o compartilhamento de dados dos produtores entre as sócias possa ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Um advogado que acompanha a discussão e preferiu não ser identificado disse ao Valor que os contratos dos produtores com as tradings terão que adicionar cláusulas “expressas e dialogadas” que permitam o compartilhamento de dados com as empresas de biotecnologia, o que depende de “ampla divulgação”. O tema, porém, compete à Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), e não ao Cade, ressaltou o advogado.

As quatro grandes múltis se defendem no Cade afirmando que a nova empresa terá “salvaguardas e firewall para impedir a troca de informações concorrencialmente sensíveis” e citam programas de compliance e política de “mesa limpa” - que bloqueia o acesso de terceiros a certas informações -, além de perspectiva de contratação de consultoria externa.

Elas argumentam que se uniram porque, se cada uma criasse seu próprio sistema de identificação, haveria “ônus para a cadeia”, já que cada uma teria seu custo próprio na criação de sistemas de identificação de transgênicos. Ao Valor, a porta-voz da empresa argumentou ainda que o formato proposto dependerá da análise do Cade e que a consulta ao órgão foi feita para que o sistema de salvaguarda “seja o melhor possível”. Ela ainda sustentou que as empresas “não têm interesse” que uma compartilhe seus dados comerciais com outra.

Quanto ao formato da fiscalização, a executiva disse que o teste que será feito nas moegas é “científico e objetivo” e que a chance da coleta de amostras obter traços de grãos antigos é “muito baixa”. “Uma contaminação cruzada, porque eventualmente [o produtor] colheu um talhão [de soja convencional] sem ver a divisa [com um talhão de transgênico] pode acontecer, mas é uma questão de qualidade que ele deveria observar”, disse. Mesmo assim, ela afirmou que o produtor pode buscar certificar a produção indicando quais sementes está plantando, que pode ser entregue posteriormente para verificação das fornecedoras. Sobre a proteção de dados, Fagnani disse ainda que cada empresa “só vai receber os dados de sua operação e só se o produtor permitir que os dados sejam acessados”.

A executiva afirmou ainda que o objetivo do projeto não é combater a prática de salvamento de sementes, mas a pirataria. Porém, as empresas não negam, nos documentos ao Cade, que a inciativa pode coibir a prática.

Nos documento ao órgão antitruste, as empresas afirmam que o salvamento “incentiva comportamentos abusivos de certos agricultores” e que teria resultado “na criação de um mercado ilegal de sementes de soja transgênicas”. Na prática, admitem que o sistema será um “mecanismo dissuasivo” para que os produtores paguem os royalties “de maneira lícita” e “encorajar os agricultores a adquirir sementes certificadas”.

Fonte: Valor Econômico, 10/06/2021.
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