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Importação de bens industriais será afetada por paralisação de auditores da Receita Federal

BRASÍLIA — A decisão dos auditores fiscais de realizarem as chamadas “operações tartarugas” nos processos de liberação de cargas em portos, aeroportos e fronteiras, a partir desta segunda-feira, causa apreensão entre empresários, principalmente os do setor industrial.

Representantes da área de comércio exterior acreditam que o impacto causado pela lentidão no desembaraço de mercadorias exportadas e importadas deve ser sentido em até uma semana, em um momento em que as indústrias tentam aumentar sua produção com a ajuda de importações e a economia do Brasil precisa reagir e crescer. 

O quadro pode ainda ser pior se o abandono de cargos de chefia por auditores, anunciado na semana passada, afetar diretamente áreas estratégicas, como o sistema portuário.

A categoria decidiu pelo afastamento das funções de confiança, alegando a falta de regulamentação do chamado “bônus de eficiência” e dos cortes no Orçamento de 2022, que tiraram recursos do Fisco e impediram um reajusta salarial para os servidores.  

— Eles [os auditores] vão começar a parar cargas, fazer inspeções mais demoradas e exigir mais documentação. Em três ou quatro dias, haverá um atraso muito grande na liberação portuária. Isso já aconteceu outras vezes e a indústria fica refém — disse o consultor internacional Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, há apreensão sobre o pode acontecer em uma semana. Ele ressaltou que o processo de liberação de manufaturados será mais prejudicado, porque a paralisação dos auditores não afetará produtos perecíveis, que é o caso dos alimentos.  

— Poderá haver atrasos ou cancelamentos de operações. Greve nunca ajuda, sempre atrapalha — disse Castro. 

Em nota, o Sindifisco informou que, até o momento, a entrega de cargos teve a adesão de 738 auditores em postos de chefia, com 93% dos delegados (chefes de unidade) do país. Todas as áreas são afetadas, com destaque para as alfândegas, portos e aeroportos, e pontos de fronteira do país, com maior lentidão nas importações e exportações. Do total de auditores, 118 são delegados titulares.

“A semana de recesso de final de ano acaba gerando menor impacto, pois o volume de cargas é pequeno. Mas em janeiro a tendência é haver um represamento importante, inclusive de importações e exportações de alimentos”, destacou a entidade.

Procurado, o Ministério da Economia, ao qual é subordinada a Receita Federal, informou que não vai se manifestar.

Tributaristas ouvidos pelo GLOBO afirmaram que o movimento dos auditores fiscais da Receita Federal, que antes se limitava a paralisações e operações-padrão em atividades em áreas como a de comércio exterior, ganhou uma dimensão maior – e inédita — a partir da entrega dos cargos de chefia na semana passada.

Ex-secretário da Receita Federal de 1995 a 2002, Everardo Maciel avalia que a paralisação dos auditores é mais intensa do que qualquer outra que tenha sido registrada.

— Com a renúncia dos 44 conselheiros do Carf, não haverá julgamentos. Além disso, a fiscalização será prejudicada —afirmou Maciel.

— Todo esse movimento da cúpula da Receita gera um "apagão das canetas", pois, sem as chefias, será muito mais lento o processo decisório e o trâmite usual. Em muitas situações quem decide, isto é, quem “aperta o botão”, é o chefe, que entregou o cargo.

Rafael Korff Wagner, sócio da Lippert Advogados e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB no Rio Grande do Sul, disse que empresas começaram a procurar desde cedo seu escritório, nesta segunda-feira. As firmas pediam o preparo preventivo de medidas judiciais para garantir a liberação de mercadorias importadas e exportadas nas alfândegas.

— O movimento traz efeitos nefastos aos contribuintes, que é a deficiência no atendimento prestado, como restituição e liberação de certidões negativas — disse o tributarista.

Segundo ele,  a entrega dos cargos também terá impacto negativo em julgamentos no Carf e em investigações em curso. Korff também acredita que as investigações em parceria com outros órgãos, como procuradoria, serão prejudicadas e atrasadas.

— Deve haver atraso no julgamento de processos no Carf, que funciona como uma segunda instância administrativa para o contribuinte e lida com casos importantes, como os que decorrem da Lava Jato. A situação é ainda mais complexa, porque na assembleia da semana passada ficou decidido que nenhum integrante da carreira poderá assumir os cargos em aberto — enfatizou. 

Por outro lado, dois tributaristas que pediram para não se identificarem, alegando conflitos de interesses, por terem casos no Carf, afirmaram que o conselho não julga processos com valores superiores a 8 milhões de reais há dois anos e, por isso, não haverá tanto impacto assim na vida das empresas o atraso das sessões.

Leonardo Gallotti Olinto, também tributarista, comentou que a empresa para a qual trabalha está sendo afetada por esse movimento em um processo de importação, mas é uma coisa muito pontual.

—Uma categoria importante como a de fiscais, que estão a serviço do país e não do governo de plantão, para chegar num movimento grevista é porque estão muito insatisfeitos —  disse.

“Enquanto não houver uma sinalização inequívoca por parte do governo de que a pauta da categoria será atendida, o movimento tende a recrudescer”, advertiu o sindicato que representa os auditores. 

Segundo uma fonte da equipe econômica, o presidente Jair Bolsonaro criou um imenso problema para si próprio, ao contemplar apenas uma categoria de servidores públicos — os policiais — com reajuste salarial. Agora, crescem as pressões e, com o orçamento aprovado, a margem do governo se reduz dramaticamente.  

Há duas alternativas em discussão. A primeira é trabalhar com o espaço que ficou definido e tentar contemplar um número maior de categorias. Mas não há dinheiro suficiente para isso. No segundo cenário, o governo teria de sair atrás de mais recursos, sacrificando outras áreas.

Fonte: O Globo, 28/12/2021.
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